Educação Física e sua especificidade
Mauricio Priess Da Costa
A Educação Física sempre passou por inúmeras crises de identidade ao longo de sua história, desde preparação do corpo para o trabalho – como na época da concepção higienista, quando visava-se formar corpos fortes, sadios e prontos para a ação – até coadjuvante de outras disciplinas, como a Língua Portuguesa e a Matemática, onde a Educação Física perde sua especificidade de trabalhar o movimento como linguagem e passa a prezar unicamente pelo aspecto motor, em vistas a melhorar o desempenho do aluno. Algumas concepções – como a da perspectiva desenvolvimentista, criada em uma época de extremo biologicismo – busca, por meio do desenvolvimento motor e cognitivo do aluno, promover também sua evolução psíquica, emocional e social.
Práticas corporais, contudo, não estão descoladas da realidade social que as cerca. Existe uma estreita conexão dialética entre estas práticas e as relações sociais estabelecidas pelos indivíduos, gerando o que é conhecido como cultura corporal. Assim, o aluno, que já possui uma carga de relações e experiências, apropria-se das atividades propostas pelo professor atribuindo-lhe um sentido próprio que não necessariamente vai ao encontro ao significado socialmente constituído dessas atividades. O esporte pode ser vivenciado de maneira puramente lúdica pelo aluno, ao contrário de sua definição social competitiva e de esmero técnico.
É necessária, então, uma contextualização das práticas da cultura corporal, o que é feito por meio da problematização dos conteúdos, levando em consideração os aspectos da prática corporal a ser vivenciada e sua interdependência com grandes problemas sociopolíticos, como as questões étnicas, de gênero, relações sociais de trabalho, preconceitos e outros. Os temas transversais ajudam o professor a aproximar as atividades das realidades vivenciadas pelos alunos dentro e fora da escola, permitindo uma multiplicidade de vivências de uma mesma prática e aproximando-as das significações objetivas do aluno.
Ao contrário do que é difundido, a Educação Física crítica não nega o movimento, pelo contrário, usa-o como ferramenta indispensável para compreensão do mundo e da realidade social. A diferença desta para outras concepções é de que o movimento nas aulas de Educação Física não têm um fim em si mesmo, mas serve como ponto nevrálgico de conexão entre o aluno e a sociedade e promove uma leitura da realidade através do contexto sócio-histórico da prática vivenciada.
A especificidade da Educação Física reside justamente na mediação do processo de sociabilização da criança e do jovem, por meio da expressão corporal como linguagem, buscando principalmente uma atuação autônoma e crítica na realidade, uma vez que existem múltiplos conhecimentos sobre determinado conteúdo.
Essa organização da disciplina exige um profundo conhecimento, por parte do professor, da prática a ser trabalhada em aula, menos de seus fundamentos técnicos do que de sua concepção e construção ao longo da história. Deve-se conhecer a origem desse conteúdo e o que gera a necessidade de seu ensino na escola. Além disso, existe a necessidade de constante atualização, uma vez que as práticas corporais são dinâmicas e novos modos de movimentar-se surgem eventualmente. Os “bol's” (futebol, voleibol, handebol, etc), ou mesmo os conteúdos clássicos (ginástica, lutas, dança e jogos), não são mais suficientes para uma leitura social adequada, principalmente para alunos da rede pública de ensino, que já vivem o Hip Hop, o circo e o Le Parkour (prática corporal que utiliza o ambiente urbano para manobras corporais, muitas adaptadas da ginástica) na esquina de casa.
Finalmente, o professor de Educação Física deve adequar seus conteúdos às realidades objetivas dos alunos, não apenas a seus caracteres biológicos, mas à realidade da escola, seus materiais, ambiente, relações sociais, inserção na comunidade. Este esforço permite não apenas a definição da especificidade da disciplina, mas a criação de cidadãos conscientes e principalmente críticos e atuantes em sua própria realidade social.
Artigo publicado na revista Profissão Mestre de julho de 2010.
Mauricio Priess da Costa é professor de Educação Física da Prefeitura Municipal de Curitiba, mestrando em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e graduado em Licenciatura Plena em Educação Física pela mesma universidade.
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