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Posted: 17 Jun 2013 01:38 AM PDT
A
partir dos últimos acontecimentos, no que tange à questão da lei
5082/2013 que exige atestado médico para as aulas da Educação Física,
fazem-se necessárias algumas observações que discutam o teor desse
documento na medida em que se interpreta certo desconhecimento e
distanciamento da realidade desse componente curricular. Por um lado não
se rejeita a iniciativa humana de querer ajudar ao próximo, todavia é
condenável a posição política que no afã de “proteger a infância e
juventude” leva ao público uma visão distorcida sobre o que é a área. Há
neste cenário o flagrante desconhecimento da história da Educação
Física, uma interpretação errônea e tendenciosa que confundem termos
como atividade física, exercício físico e condicionamento físico além de
interferir na ação pedagógica do professor quando relega parte de sua
obrigação para outro profissional.
No primeiro artigo da lei que
diz que a participação dos alunos, que cursam o Ensino Fundamental, nas
aulas de Educação Física deverá ser precedida de exames médicos clínicos
observa-se o desconhecimento do histórico da Educação Física Escolar
que longe de ser uma simples repetição de gestos esportivos ou espaço
para condicionamento físico que justifique um teste de apto ou não apto
para sua prática se assume como um espaço de múltiplas ações e
possibilidades para que todos possam participar.
Historicamente
“a inclusão oficial da Educação Física no Brasil ocorreu no século XIX,
em 1851, com a reforma Couto Ferraz embora a preocupação com exercícios
físicos, na Europa, remonte ao século XVIII” (DARIDO, 2008, p. 1). O
ponto de vista nessa época era baseado nos conhecimentos produzidos pela
biologia, fisiologia e anatomia e a Educação Física, mais precisamente a
ginástica, passa a ser uma prática necessária à manutenção de uma
condição ligada às exigências do capital. As finalidades da Educação
Física no âmbito escolar eram:
Regenerar a raça (devido ao grande
número de mortos e doentes); promover a saúde (sem alterar as condições
de vida); desenvolver a vontade, a coragem, a força, a energia de viver
(para servir a pátria nas guerras e na indústria e, finalmente,
desenvolver a moral (que nada mais é do que uma intervenção nas
tradições e nos costumes dos povos) (SOARES, 2001, p.52).
Há
nessa época, de 1850 à 1930,uma Educação Física que adota um discurso
baseado na perspectiva denominada Higienista onde se priorizava
principalmente a questão da saúde biológica, que através do exercício
desenvolvia o físico e a moral. Segundo o PCN de 1997 havia nesse espaço
uma grande contrariedade por parte dos pais em ver seus filhos
envolvidos em atividades que não tinham caráter intelectual sendo que
para os meninos havia certa tolerância em função de um entendimento que a
ginástica associava-se às instituições militares ao passo que no caso
das meninas alguns pais proibiam sua participação (PCN, 1997).
A
partir de 1930, juntamente com a concepção higienista o modelo
Militarista serviu de base para a implantação da “Educação Física nas
Escolas do Sistema Nacional de Educação, com o intuito de tornar a
juventude mais sadia para que pudesse atuar na defesa e no
desenvolvimento do país através de um corpo perfeito”(CASTELLANI FILHO,
1988, p.34). A Educação Física nessas concepções pode ser vista como uma
maneira de promover a disciplina moral e o adestramento físico tanto
para a defesa da nação como para o aprimoramento da raça. Inclusive o
próprio caráter da disciplina era essencialmente prática não
demonstrando necessidade de fundamentação teórica (DARIDO, 2008).
Após
a segunda grande guerra, em 1945, sob uma forte influência das mudanças
políticas, sociais e econômicas que vigoravam na sociedade brasileira
uma fase de Pedagogização da Educação Física se instala. Principalmente
pelas teorias psicopedagógicas de Dewey e da sociologia de Durkheim
(DARIDO, 2008). A Educação Física passa por um debate onde fica evidente
a crítica à escola tradicional, todavia o que no discurso demonstrava
um ponto de vista que passava da valorização do biológico para o
sociocultural, na prática observa-se que didaticamente a Educação Física
continuava a se pautar por parâmetros militaristas (GHIRALDELLI JR.,
1991). Esse movimento de idéias progressistas, que no Brasil era
representado por Anísio Teixeira, teve seu auge no início da década de
1960. E com o início dos governos militares passa a ser bastante
coibido, pois o consideravam como revolucionário.
De 1946 a 1968,
a Educação Física brasileira passa por uma forte influência de um
método criado na França, denominado “Método Desportivo Generalizado” que
procurava incorporar o conteúdo esportivo aos métodos da Educação
Física, com ênfase no aspecto lúdico (BETTI, 1991). Surge a tendência
Tecnicista que de acordo com Darido (2008, p.3):
É nesta fase da
história que o rendimento, a seleção dos mais habilidosos, o fim
justificando os meios está mais presente no contexto da Educação Física
na escola. Os procedimentos empregados são extremamente diretivos, o
papel do professor é bastante centralizador e a prática uma repetição
mecânica dos movimentos esportivos.
A influência do esporte foi
tão grande na escola que passa a ser denominado o esporte na escola e
não esporte da escola tamanha era a ideologia de promoção de um país
onde através do êxito em competições de alto nível tentava transparecer
um clima de prosperidade e desenvolvimento.
O final da década de
70 representou para a Educação Física um momento onde havia a
necessidade de romper as concepções anteriores e discutir a importância
excessiva que vinha sendo dada ao desempenho como único objetivo de suas
práticas. Numa tentativa de romper com o modelo mecanicista Darido
(2008, p.4) cita as abordagens “Desenvolvimentista,
Construtivista-Interacionista, Crítico-Superadora, Sistêmica,
Psicomotricidade, Crítico-Emancipatória, Cultural, Saúde Renovada e
Parâmetros Curriculares Nacionais”.
Atualmente todas essas
abordagens, independentemente da linha ideológica a que se prendam
passam a assumir uma Educação Física cuja tarefa de educar seja para
todos. É fruto da própria democratização do acesso à educação que impôs a
adoção de formas mais solidárias e plurais de convivência. Assim, as
aulas de Educação Física não podem deixar de ser realizadas sem se
pensar na formação integral do aluno. E para tanto não se pode
prescindir de um ensino participativo, solidário e acolhedor a fim de
proporcionar uma formação que caminhe ao encontro do exercício da
cidadania e emancipação do ser humano.
Estamos tratando de
atividades corporais a partir de diferentes possibilidades e não de
exercícios físicos na sua prática, pontos que são completamente
diferentes. O primeiro significa a participação do indivíduo respeitando
suas características físicas e de desempenho interagindo com as pessoas
e o ambiente à sua volta. Enquanto o outro se apresenta como uma forma
de atividade física planejada, sistemática e repetitiva cujo objetivo é o
desenvolvimento da aptidão física (NAHAS, 2003).
Isso implica
dizer que a Educação Física Escolar trata de práticas pedagógicas que
ensinam o sujeito a reconhecer e praticar a atividade física e não um
espaço onde se desenvolva a aptidão física propriamente. Se por um lado a
prática pedagógica do professor não deva levar ao condicionamento
físico, por outro, mesmo que quisesse não teria o menor embasamento
científico.
Essa afirmação encontra respaldo nas recomendações do
Colégio Americano de Medicina Esportiva, que periodicamente publica um
manual para profissionais que atuam em programas de condicionamento
físico e reabilitação. Recomenda de uma forma geral, que o tipo de
atividade seja uma escolha individual (observando o grau de habilidade e
satisfação de seu praticante); frequência semanal de pelo menos três
vezes por semana e intensidade monitorada (de acordo com o interesse do
indivíduo) como condições mínimas para o desenvolvimento da aptidão
física.
Na escola pública do Distrito Federal a Educação Física é
constituída na grade horária semanal por três horários de 50 minutos na
melhor das hipóteses. Essas aulas são dadas em dois encontros semanais,
sendo geralmente um com apenas um horário e o outro com uma aula dupla
(os dois horários restantes). Os horários em questão são compostos com a
parte burocrática de chamada e alguns informes iniciais e às vezes com o
próprio deslocamento dos alunos para a quadra, o que leva de 10 a 15
minutos. E ao fim da aula, restando entre 10 e 15 minutos é consensual
sua utilização dando seus informes finais e para que os alunos se
recuperem indo ao banheiro, bebendo água e retornando à sala de aula.
Seus conteúdos são os mais variados possíveis com orientações teóricas
sobre esportes e manifestações culturais; jogos e brincadeiras de baixa
intensidade (inclusive os pré-esportivos) e recreação dentre outros
(BETTI, 2002).
Sendo assim, mesmo que o professor estivesse
decidido a trabalhar a aptidão física em suas aulas, e negasse a
frequência mínima de dias, pouco tempo para sua realização e o
monitoramento da frequência cardíaca dentre outros pontos, ele
transformaria suas aulas em uma “grande academia” de condicionamento
físico prescrevendo individualmente as aulas e os objetivos para cada
aluno ou tendo a grande habilidade de convencer 30 a 40 alunos e alunas a
fazerem a mesma coisa, se submetendo a um esforço progressivo dentre
outras especificidades. Tal interesse seria inviável e se distanciaria
completamente dos princípios da escola (QUADRO 1).
QUADRO 1: Princípios e características da Escola e do Condicionamento Físico ESCOLA (BETTI, 2002, p.77) CONDICIONAMENTO FÍSICO
Inclusão Participação de todos Sobrecarga Estímulos e cargas de trabalho
Diversidade Conteúdo incidindo sobre a cultura corporal Progressão e Continuidade Aumento em níveis de esforço
Complexidade Graus de dificuldade motora e cognitiva Uso e Desuso Atividade contínua
Adequação
do Aluno Levar em conta características, capacidade e interesse do
aluno Especificidade Exercício específico para cada componente da
aptidão física
- - Individualidade Biológica Organismos diferentes reagem de forma diferente
É
importante reconhecer essas diferenças sem negar a importância do
atestado médico, porém para a sua correta finalidade. O fato de se
trabalhar unicamente sob a égide da aptidão física em âmbito escolar
incorre em outro problema como o caráter eminentemente individualista de
sua proposta. Essa proposta possui como crítica apresentar o indivíduo
como problema e a mudança do estilo de vida como solução.
Para
Ferreira (2001, p.6) há uma homogeneização cultural onde todos seriam
livres para escolher seus próprios estilos de vida o que acaba
distorcendo a realidade, pois “existem desigualdades estruturais com
raízes políticas, econômicas e sociais que dificultam a adoção desses
estilos de vida”.
Todavia, como recurso pedagógico, em parte das
aulas e a título de informação para alunos e registro, muitos
professores já adotam o amplamente conhecido PAR-Q ou em português
“Questionário de Prontidão para a Atividade Física Q-PAF” do Ministério
da Saúde do Canadá. O questionário possui sete perguntas com respostas
sim ou não e caso o respondente assinale sim, pelo menos uma vez, é
aconselhado a consultar um médico. Existem também outras medidas
pedagógicas nesse âmbito da aptidão física que são instrutivas, onde não
há a obrigatoriedade de serem realizadas na prática e fazem parte das
aulas, sem ferir a integridade física ou moral do aluno como, por
exemplo:
QUADRO 2: Componentes da aptidão física e
atividades pedagógicas: COMPONENTES DA APTIDÃO FÍSICA ATIVIDADES
PEDAGÓGICAS (Teoria e Prática)
Força e resistência muscular Sua
importância para a saúde, resistindo a pressões e sustentando cargas…
Teste de flexão ou abdominal.
Flexibilidade Prevenção de problemas
articulares, importância do alongamento e etc… Teste de “sentar e
alcançar” e Teste de flexibilidade dos ombros.
Aptidão
Cardiorrespiratória (ou Resistência aeróbica) A importância da aptidão
física e saúde cardiovascular, o que é um esforço aeróbico e
anaeróbico…. Aferição da frequência cardíaca; Avaliação da pressão
arterial; Questionário Q-PAF;Escala de Borg.
Composição corporal
Componentes do organismo, gordura corporal e saúde e controle de peso…
Medidas de dobras cutâneas;Distribuição da gordura corporal.
Essas
atividades podem fazer parte das aulas de Educação Física a título de
instrução, caso o professor queira, mais jamais poderão corresponder à
totalidade das atividades ao longo de um período letivo, haja vista os
princípios e finalidades já discutidos. É compreensível que o problema
da baixa aptidão física caracterizado como sedentarismo seja um problema
que atinja muitos escolares, como cita o texto da lei em parte de sua
justificativa, porém não pode ser considerado como problema da escola ou
dessa disciplina em particular, que em um sentido desviante pode
entender sua solução por meio dos exercícios realizados nas aulas, e sim
um problema da sociedade como um todo não respeitando questão
financeira, idade e outros pontos. Portanto cabe a escola e a Educação
Física o papel de trabalhar a instrução das pessoas sendo um espaço para
debates e exemplos, demonstrando os malefícios da inatividade física e
não um espaço que se responsabilize por acabar com o sedentarismo de
crianças e jovens.
Sendo assim, após estas breves e humildes
considerações, não parece sensato e responsável adotar uma medida de
tamanha envergadura, atingindo tantas pessoas e que no final das contas
não se alinha com os princípios e objetivos da Educação Física Escolar.
REFERÊNCIAS
BETTI, M. Educação Física e sociedade. São Paulo: Movimento, 1991.
BETTI,
M., ZULIANI, L.R. Educação Física Escolar: Uma proposta de diretrizes
pedagógicas. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, Ano 1,
número 1,2002.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental.
Parâmetros curriculares nacionais: Educação Física/Secretaria de
Educação Fundamental.-Brasília: MEC/SEF,1997.
CASTELLANI FILHO, L. Educação Física no Brasil: a história que não se conta. Campinas. Papirus, 1988.
DARIDO, S.C. Educação Física na Escola: questões e reflexões. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan, 2008.
Autor: André Luís N.Beltrame1 – Mestre em Educação Física e Professor da Secretaria de Educação do Distrito Federal.